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Plano A

Eu queria ser daquelas artistas misteriosas, aquele tipo de personalidade que mata todo mundo de curiosidade. Não falo ser tímida como Chico Buarque. Não é isso, até porque ele deu muito bafafá e todo mundo tem sempre algum comentário sobre sua vida amorosa, ainda que seja só para fazer parecer que conhecem tão bem assim a sua obra. Misteriosa mesmo, um pouco daquilo que o Leo Di Caprio perdeu quando começou a fornecer muita informação para meme com gráfico. Misteriosa, daquelas que more numa casa afastada, numa propriedade reclusa, e todo mundo calcula que seja charmosa, mas que ninguém entrou.

Aquele tipo que gera linhas mínimas na mídia dizendo “se casou este fim-de-semana numa cerimônia pequena apenas com famílias e amigos”. Que chiquê! Sério, isso é de uma elegância que nenhuma reportagem de 10 páginas ou 9 minutos de Fantástico jamais vai alcançar. (Pode levar para o pessoal, família real.)

Só que aí, um dia, alguém te contou que foi numa viagem para longe e calhou de passar na frente de um daqueles clubes pequenos onde algumas lendas da música adoram tocar, e por acaso dali algumas horas aquele ex-membro daquela banda histórica ia se apresentar lá. E o sortudo não só descobriu que ainda tinha ingresso para aquela noite, como ainda cruzou com os instrumentistas do cara, todos muito gente boa, e um deles terminou comentando que conhecia artista-tal, que foi quem o tinha feito parar de beber depois que cantou no funeral da sua mãe.

E você ficou tão impressionado que pensou em procurar isso na rede. Youtube, né?, alguém vai ter colocado lá. Você não acha. Nada. A única coisa que você achou foi a foto de uma placa na sede do time paralímpico de basquete agradecendo todo o seu apoio.

To falando desse tipo de mistério. Daquelas pessoas que está preparando o terreno para lá no futuro, depois de décadas de carreira, gerar chamadas do tipo “Finalmente entramos em sua casa para uma entrevista exclusiva!” E uma mulher preta bem foda ia lá, tipo a Glória Maria ou a Oprah. E a casa não só é linda como é um mundo encantado, daqueles que te fazem sentir criança novamente. Na loja de brinquedos de três andares. Na época do Natal. Tipo uma meca para qualquer pasta do Pinterest. Martha Stewart gravaria um programa ali, se deixassem. Só que a pessoa mantém a aura de mistério, então recusou. E olha que Martha Stewart não está acostumada a ouvir nãos! Mas recebe como uma dama, caso alguém ainda tenha dúvidas.

E para completar, para salgar mais o mistério todo, tem que figurar em rolês que você jurava que fossem aleatórios, mas terminou vendo que não, muito pelo contrário. Tipo, aquele escritor de quadrinhos premiado numa comic-con confessando que toda a idéia surgiu depois de um livro que tinha sido presente de suas mãos, e depois um papparazzi publica uma aparição com estilista magnífico num café charmosíssimo, mas discreto demais que ninguém sabia direito onde era (depois que acharam, virou lugar de selfie), o nome listado nos agradecimentos de dois estudos acadêmicos. E ainda por cima, a última trend revelou sua obra no topo das mais ouvidas pelo Roger Waters e John Batiste.

Só.

E mesmo assim, com todo esse burburinho, o mistério se mantém inabalável. Ninguém sabe muito, e tudo tem cara de boato. Há alguns grupos de fãs que se juntam para ir trocando as informações do quebra-cabeça. Eles até chegam longe, mas nem arranham o iceberg, não sabem o quanto estão perdendo.

Eu só queria ser dessas, assim. Daquelas que cresce na sombra e pega o pé de todo mundo. É um bom plano, né?

Só que aí vieram redes sociais e acabou-se qualquer chance de mistério.

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